sexta-feira, maio 28, 2010

O crescimento do Brasil debaixo do braço

Brenno Sarques

O Brasil está mudando. Constatei este fato recentemente, mas não devido às previsões de crescimento, do superávit da balança comercial, dos milhões de carros vendidos por ano, do aumento do consumo nas classes C, D e E. Isso é propaganda de governo. Ninguém anda na rua com parte do alfabeto estampado na testa, ninguém sabe quantos quilos de arroz comeu no mês, ninguém fecha o ano comemorando que seu custo de vida subiu apenas 3,89%.

A mudança está em pequenos detalhes que fazem toda a diferença. E meu exemplo maior mostra realmente a transição de uma vida encardida para um futuro promissor.

É o caso de Robsney Clemente da Silva (sobrenome óbvio), ou simplesmente Robs. Por muitos anos ele e sua família patinaram na escadaria social. Seguraram no corrimão da economia para subir um degrau, mas a gordura sebosa das bolhas especulativas, dos juros megalomaníacos das Casas Bahia e do aumento no transporte público os fazia escorregar e voltar ao patamar primitivo. Tentaram, e de tanto tentar, conseguiram. Agora orgulhosamente fazem fazer parte da massa amorfa chamada de público consumidor de bens populares. É o cereal matinal Kerogs (não confundam com Kellogs) que invadiu o café da manhã. É a carne moída que agora ornamenta o molho de tomate sobre o macarrão. É a oportunidade de reunir a família em torno de uma pizza de mussarela.

Mas a grande prova de que o Brasil é campeão em mobilidade social foi quando Robsney, ou simplesmente Robs, comprou seu primeiro desodorante. Isso não foi uma decisão precipitada. Por tempos este típico cidadão do novo Brasil esteve relutante, refletindo sobre a real necessidade de um item que até pouco atrás era símbolo da burguesia do asfalto. Ponderou sobre a reação da comunidade, sobre as reações químicas que poderiam ocorrer em sua pele, quiçá se era alérgico a tal composição misteriosa.

Mas a sua combinação genética derivada de africanos, índios e portugueses, passando depois por cafuzos, mulatos e mamelucos, resultando no que hoje chamamos de evolução natural, exige uma boa dose de cultura francesa para dissipar odores. Robsney, ou simplesmente Robs, não se dava conta de que aquele odor que emanava de suas axilas lhe causava prejuízo social, ou seja: espantava pessoas e oportunidades.

Os benefícios começaram logo na compra do bendito artefato nacirêmico. A própria atendente da farmácia abriu um sorriso sincero e nem um pouco inocente quando o olfatível cliente finalmente retirou da gôndola um tubo de desodorante. Não era um spray em embalagem de alumínio, não tinha um sistema revolucionário de trava (que ninguém sabe como funciona direito e acaba quebrando de tanto mexer), tampouco despontava entre as novidades do mercado. O tubo era simples, de plástico, com cheiro doce e forte, e o melhor: era o mais barato.

A emoção de Robs era a mesma de quando um jovem mais abastado compra seu primeiro carro: meia vida, modelo antigo, pneu careca, mas uma alegria que não cabe no peito. Um brilho nos olhos típico das crianças que ganham chocolate. Assim estava Robsney, ou simplesmente Robs.

Até a hora de pagar, milhões de dúvidas turbilhonavam na cabeça daquele rapaz, causando-lhe insegurança e medo. Pagou, sabendo que aqueles poucos reais poderiam ter sido investidos em outros projetos: um boné, um adesivo “Vida Loka” para sua janela, ou até mesmo uma relevante parte do orçamento para um par de óculos escuros vendido por seu amigo de infância, Cleudesney.

Saiu da farmácia, arrancou o tubo Axé da sacola, retirou a tampa, enfiou com a mão esquerda por debaixo da camisa sob o sovaco direito e apertou. Apertou com toda a garra dos mortais, despejando em um só lance mais da metade das semanas de reflexão, questionamentos, suspense e drama. O líquido escorreu pelo corpo, molhou a camisa e se misturou àquele odor que a natureza o havia agraciado com tanto vigor. Ficou puto, ao ponto de não ousar espremer o tubo sob o outro sovaco.

Chegou em casa e a recepção foi diferente; um misto de graça e surpresa, de estranhamento e simpatia pelos novos ares que entravam na casa. A avó perguntou - “Que cheiro é esse?”; a irmã mais nova torcia o nariz para o futum misturado com groselha; a mãe perguntava se haveria festa na laje. Robs não deu bola. Banhou-se na água que caía do cano no banheiro. Sim, naquela noite haveria festa na laje. Antes de vestir a roupa, fez valer o investimento no tubo Axé, com mais calma desta vez, nas duas axilas.

Saiu, e como dizia na propaganda do seu desodorante, “recuperou as mulheres que os astros de rock tomaram de você”. No caso, os cantores de pagode. Esta é a cara do Brasil: sovacos cheirosos para espantar a cultura podre.

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