sábado, novembro 14, 2009

O Apartheid é holandês


Depois de quase três anos volto a postar algo por aqui. Desta vez não será uma longa matéria, apenas um relato pessoal de uma das figuras mais representativas do cenario mundial do século XX, responsável por também umas das mudanças sociais mais significativas daquele século. Falo de Nelson Mandela.

Terminei há pouco de assistir um documentário sobre a vida desse que pra mim é o maior herói ainda vivo no planeta. Posso estar sendo passional, e acredito que o esteja, mas nao é a primeira vez que isso acontece e espero nao ser a última.

Antes de falar que Mandela foi "o cara" por terminar com o regime segregacionista de nome africâner Apartheid, acho interessante dar mais um passo atrás na raiz desse contexto material-histórico-dialético. Muitas vezes os brancos descendentes de ingleses são culpados pelo regime racista na África do Sul. Discordo disso, mesmo sob a pena de calorosas oposições. Na minha opinião, os brancos ingleses também foram vítimas do Apartheid. Explico.

Dentro de um modelo imperialista adotado pelas potências européias no século XIX, que perdurou até o início do século XX, os ingleses se espalharam pelo mundo e adotaram um comportamento de salvadores das terras habitadas por povos "menos desenvolvidos". Mas o uso da violência não era a forma adotada pelos ingleses para governar em ultramar. Em muitos casos, a criação de uma burocracia servia para a manutenção do poder nas mãos dos colonizadores e como despulpa de garantia de civilidade aos colonizados. O uso da violência e do racismo como forma de governo não era o foco dos ingleses, repercutindo inclusive de forma negativa na opinião pública da Inglaterra. A fixação dos ingleses na África do Sul não se daria diferentemente, a não ser por um problema: os boêres.

Os boêres (ou africâners) são um povo descendente principalmente de holandeses que foram levados para a costa da África do Sul para auxiliarem as embarcações holandesas que cruzavam o Cabo da Boa Esperança. Esse povo, isolado num ambiente agreste, criou uma verdadeira sociedade distinta de suas origens. Adotaram o trabalho escravo e um modo de produção precário e predatório, que pouco lhe rendia riquezas. Levavam também uma certa vida nômade. Não havia demarcaçoes de terras e podiam se mover dentro do país sem problemas. Os boêres se confrontaram com o modelo inglês de produção, sobretudo no período de mineração, quando a emigração para aquele país cresceu consideravelmente. Apegados à agricultura, os boêres não tiraram proveito do ouro nem dos outros minerais que enriqueciam ingleses, aventureiros e financistas de alguns outros países. Criticavam a contratação de negros, mesmo que fosse por baixos salários. Para os boêres, negro era sinônimo de escravo.

Mesmo com um modelo de produção e um estilo de vida quase primata, os boêres tiveram grande sucesso em convencer os ingleses que a diferença de cor significava diferença de relação e de direitos. Aos poucos, os ingleses prostituíram a sua própria política ultramarina, sobretudo porque a ausência de leis para os territórios conquistados e a grande autonomia dos delegados da coroa inglesa nesses territórios possibilitou que os burocratas na África do Sul tomassem medidas a seu bel prazer. Assim, os negros foram sendo cada vez mais expulsos dos empregos públicos, mesmo que o governo tivesse um custo até cinco vezes maior na contratação de um branco para exercer a mesma função. Foram tendo seus direitos civis reduzidos até que, em 1912, oficializou-se o Apartheid. Os ingleses perderam para os holandeses (mesmo com a negativa dos boêres de serem chamados assim).

Desde então a história é conhecida. Opressão, segregação, sofrimento e dor. A luta dos negros sulafricanos pela igualdade de direitos só não é maior do que a atitude desse povo ao chegarem ao poder. Não houve revanchismo, mas a criação de um estado multiétnico e democrático. A Comissão de Reconciliação e Paz, que percorreu todo o país relatando os crimes ocorridos durante o Apartheid, conseguiu escrever um capítulo da história que vale a pena ser admirado. A importância da história superou a vingança, e todos aqueles que cometeram crimes em nome do regime e que confessaram seus crimes foram absolvidos. Apenas os que resistiram à roda da evolução foram julgados e presos.

Nelson Mandela foi o maior líder desse movimento por uma África do Sul igualitária. Mas muitos outros também lutaram por esse ideal. Para muitos o Apartheid foi um modelo predecessor do nazismo, mas que resistiu por mais cinquenta anos após o fim da Segunda Guerra Mundial. Mas isso é assunto para outra hora...

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1 Comments:

Blogger Página Oficial de Mauricio de Moraes said...

Excelente post. Uma explanação perfeita. Via a história de um jogador holandes que chocou o mundo do Apartheid ao oferecer seu prêmio de melhor do mundo a Nelson Mandela e dizendo que em seu país esse ato q ocorria na África do Sul era normal e que tinha de ser assim. E quando o jogador fez tal gesto causou grande repercussão.

7:36 PM

 

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