segunda-feira, outubro 09, 2006

Democracia chilena: exemplo para a América Latina?


Por Brenno Sarques
Com os tempos próprios de cada sociedade, o Chile deu um grande passo em busca da democracia, após passar por uma rígida ditadura que, assim como ocorreu em vários outros países latino-americanos, arrancou da população um período riquíssimo da história, um período de prosperidade cultural, em que ideais de igualdade e liberdade estavam em voga. Tudo cortado por uma lâmina cega. O sistema chileno pós ditadura continha ainda resquícios de um governo totalitário, intoleráveis para uma sociedade do século XXI.

Modelo democrático
O Chile teve sua constituição aprovada por plebiscito em 1980. O Presidente é eleito por um período de 4 anos, sem reeleição. Atualmente, quem assume a presidência é Michelle Bachelet, a primeira mulher na história do país a atingir tal cargo.

O Parlamento é composto pelo Senado e pela Câmara de Deputados. São 49 senadores com mandato de 8 anos. Na Câmara dos Deputados são 120 membros eleitos por período de 4 anos, com reeleição. O país conta com os Partidos Políticos - Democracia Cristã, Partido pela Democracia, Partido Socialista, Renovação Nacional, União Democrática Independente, Partido Radical Social-Democrático, União do Centro, Partido Comunista, Aliança Humanista-Verde.

Depois da queda do regime ditatorial de Augusto Pinochet, em 1990, o Chile passou por uma série de reformas constitucionais que removeram do sistema legal as prerrogativas das forças armadas.

Entre as emendas mais importantes aprovadas, em julho de 2005, pelo Senado, destacam-se a eliminação dos cargos de senadores vitalícios, que não exigiam o voto popular; a possibilidade de o presidente da República remover as cúpulas das Forças Armadas e da Polícia; o aumento do Tribunal Constitucional, de sete para dez integrantes, e a retirada do representante das Forças Armadas daquele Tribunal. Outra medida democrática foi a mudança na convocação do Conselho de Segurança Nacional que, a partir de então, só poderia ser feito pelo presidente da República; antes, os comandantes das três forças armadas podiam convocar o Conselho.

O novo Chile
Hoje o Chile desponta como um dos países mais democráticos da América Latina. Conforme o Índice de Participação Cidadã - estudo da Rede Interamericana para a Democracia, realizado em 2004, o país recebeu lugar de destaque entre as oito nações estudadas (Argentina, Brasil, Peru, México, República Dominicana, Costa Rica, Bolívia e, claro, Chile). Em uma escala de 1 a 10, o Chile atingiu 5,5 pontos, enquanto o Brasil restringiu-se a 3,8 pontos. Todavia, no estudo de 2005, o Brasil saltou para 5,1 pontos, enquanto que os chilenos caíram para 4,5 pontos, ficando em terceiro lugar.

No estudo de 2005, o Chile apresentou alta participação popular em atividades de apoio à Educação. Não é por menos: lá, 3,66% do PIB é investido em educação básica, a Argentina disponibiliza 3,65%, e o Brasil, só 2,98%.

Outro destaque do Chile frente aos seus companheiros de América Latina, refere-se aos níveis de corrupção. Conforme o estudo realizado pela revista Foreign Policy, o Chile apresenta os menores índices de corrupção do continente. O governo de Santiago supera países como Itália, Portugal, Espanha, Grécia e Coréia do Sul.

Segundo o “Índice de Desenvolvimento Democrático na América Latina” - um estudo da fundação alemã Konrad Adenauer - Chile, Costa Rica e Uruguai estão no topo da lista dos 18 países mais democráticos da região. Nicarágua, Venezuela, Bolívia e Equador estão no final da lista. O Brasil saltou da 12ª para a 8ª posição, um avanço em nossa democracia.

O estudo analisa o respeito aos direitos políticos, o exercício da cidadania e a eficiência de suas instituições públicas e políticas, entre outros aspectos. O “Índice de Desenvolvimento Democrático na América Latina” é publicado pela instituição desde 2002. A fundação Konrad Adenauer de ciências políticas é ligada ao partido da premiê alemã Angela Merkel.

Já no estudo realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em 2004, o Chile não se encontra entre os países sul-americanos com maior Índice de Democracia Eleitoral (IDE). Dos 18 países analisados, o Chile ficou em antepenúltimo lugar, à frente apenas da Guatemala e da Colômbia. O cálculo do IDE se baseou nos graus de participação da população, de interferência nos resultados das urnas, como fraudes, compra de votos, intimidações, graus de liberdade de candidaturas e de alternativas de voto e de importância do voto no acesso a cargos públicos.

Conforme o Artigo de Marta Lagos, publicado em 1997, no Journal of Democracy, da Johns Hopkins University Press, com a restauração da democracia em 1990 (depois de17 anos de ditadura), o Chile passou por um período de crise na economia, onde a privatização criou um estrato muito poderoso de empresários que hoje têm mais poder que os partidos, que supostamente os representam. Problemas ambientais e monopólios estão entre as conseqüências dessa herança.

Democracia Chile-Brasil
Em abril deste ano, um mês após assumir a Presidência do Chile, Michelle Bachelet esteve em Brasília para encontrar-se com o presidente Lula. Ela destacou a importância da democracia e do combate à pobreza na região. Para o professor de ciências políticas Guillermo Holzman, da Universidade do Chile, o Brasil e o Chile são o ponto de equilíbrio numa região onde os novos representantes são vistos com uma certa desconfiança no cenário internacional, considerados “outsiders” da política (dica-se de passagem, Evo Morales e Hugo Chavez). A presidente Bachelet quer intensificar a cláusula democrática do Mercosul para evitar crises entre os países, uma vez que as ações do bloco fogem da política tradicional. O chamado Mercosul ampliado inclui Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela, além do Chile e da Bolívia.

Dois lados da moeda
Todos estes dados, estudos e índices, ao mesmo tempo que nos apresentam informações sobre a atual situação da democracia no Chile, também trazem à tona uma série de questões ainda a serem descobertas: Está a democracia chilena atuando apenas em alguns setores da sociedade ou será que ela age em sua plenitude? Os dados são contraditórios. O país tem baixas taxas de corrupção, boa escolaridade para os níveis sul-americanos e uma atividade econômica relativamente estável. Mesmo assim, o Chile é considerado o país mais neo-liberal da América do Sul, mesmo elegendo consecutivamente quatro presidentes de centro-esquerda, além disso, o país atinge um dos piores índices de democracia eleitoral no continente, mostrando que ainda há muito o que fazer.
Um breve histórico do Chile

A capital Santiago foi fundada em 1541 e a proclamação da República do Chile ocorreu no dia 12 de fevereiro de 1818.

Durante o século XX, o general Carlos Ibáñez del Campo, foi ditador do Chile entre 1927 e 1931, e retornou à presidência em 1953, após as presidências do Partido Radical (1938-1952). Jorge Alessandri sucedeu Ibáñez em 1958, derrotando o socialista Salvador Allende por uma estreita margem de votos.

Em 1964 as eleições presidenciais deram vitória ao fundador do Partido Democrata Cristão, Eduardo Frei Montalva, que venceu o socialista Salvador Allende e o radical Julio Durán. O novo presidente implantou reformas sociais e econômicas, incluindo medidas no sistema educacional, habitação, sindicalização dos trabalhadores rurais e a reforma agrária. Mesmo assim, a esquerda mais radical não estava satisfeita e queria medidas mais fortes no campo social. Ao mesmo tempo, os conservadores achavam as reformas de Frei muito aventureiras.
Em 1970, Salvador Allende é eleito. Em 11 de setembro de 1973, Salvador Allende sofre um golpe de estado. Quem assume é o general Augusto Pinochet, instaurando a ditadura. Pinochet se manteve no poder até 1990.

O primeiro presidente da nova fase democrática chilena foi Patricio Aylwin, proeminente membro do Partido Democrata Cristão (PDC). Em 1994, elegeu-se Eduardo Frei Ruiz-Tagle, filho do ex-presidente Eduardo Frei Montalva e também filiado ao PDC. Em 2000 Ruiz-Tagle passou a faixa ao socialista Ricardo Lagos.

Em 2005, foi a vez de Michelle Bachelet eleger-se presidente. A primeira mulher no cargo é filha de uma vítima do regime de Augusto Pinochet. O país mantém seus governos de centro-esquerda desde a redemocratização.


Fontes: BBC Brasil; Wikipédia; Foreign Policy; Estadão; Clarín; PNUD-ONU; Opinião Pública; Rede Interamericana para a Democracia.