terça-feira, janeiro 23, 2007

“Qualquer iraquiano sofreu nas mãos de Saddam”




Brenno Sarques
10/01/2007

Único iraquiano em Goiás, o médico Subhi Ali Al Rubaie, saiu do Iraque na década de 60 por problemas políticos. Foi para a ex-Tchecoslováquia e lá ficou por quinze anos onde formou-se médico em Praga e casou-se com uma brasileira. Chegou em Goiânia em 1976 e foi para São Paulo, de onde voltou em 1982 e aqui ficou. Aos 67 anos - com os filhos Munir, Sami e Karina – Subhi, muçulmano xiita não-praticante, volta sempre ao Iraque: “tenho um amor muito grande pelo Iraque, como todos os iraquianos. Você sai do país e nunca esquece”. Há trinta anos no Brasil, Subhi sente-se um brasileiro, mas ainda tem saudades da terra onde passou a infância e juventude, de onde ainda tem muitas lembranças e parentes.


Como avalia a morte de Saddam e a forma como foi executado?

Ando enfrentando muitas perguntas sobre o assunto. Porque o Saddam foi morto, se realmente merecia ser executado e a influência dos EUA, eu sinto que muita gente não tem informações sobre o assunto, sinto que os brasileiros são cultos politicamente; geralmente eles querem saber tudo que acontece no mundo.

Pessoalmente acho que ele respondeu à Justiça iraquiana, mesmo com o país ainda não totalmente livre, acredito que o Iraque está melhor do que muitos países árabes, pois há o Congresso, primeiro ministro e presidente eleitos pelo povo. Poucos países árabes têm isso. Por outro lado, o país está ocupado, e vive hoje sob influência norte-americana. Em minha opinião, qualquer pessoa que faz o mal merece um julgamento. Saddam foi julgado pela Justiça iraquiana, os juízes são iraquianos, não tem nenhum americano no meio. Ao contrário, ele tinha advogados estrangeiros e o processo decorreu normalmente, foi a Justiça que decidiu seu final. Creio que a execução foi rápida porque o Tribunal tinha medo que gente importante no Iraque fosse seqüestrada e o resgate fosse a libertação de Saddam. Mas a maneira em que foi executado, ninguém pode falar sobre isso. Cada país tem sua forma de terminar com criminosos. Nos EUA há injeção, noutros lugares, bala, e lá é com enforcamento. Foram feitas fotografias, e o vídeo, que saiu do controle do governo porque hoje não há como evitar isso, celulares têm câmeras. Mas acho uma maneira muito crua de mostrar uma pessoa sendo executada. Essa pessoa que filmou deve estar ganhando dinheiro vendendo para imprensa.

Os juízes foram imparciais ou sofreram pressão norte-americana?

Não acredito que haja influência sobre os juízes. Saddam respondeu processos sob as leis iraquianas, muitas delas criadas pelo próprio ditador, nos anos 70. Mas, apesar de ter feito muitas coisas pelo Iraque, ele merecia um julgamento. Qualquer iraquiano sofreu nas mãos de Saddam. Eu saí do Iraque em 1964, no governo de Ahmad Hassan al-Bakr do partido Baath, de Saddam Hussein. Mas quem continuou vivendo lá sofreu muito. Qualquer pessoa de lá, você pode ligar o canal de TV iraquiano e comprovar, está sorrindo, mas as televisões só mostram quem está contra. É normal, ele ficou 30 anos no poder, e criou raízes em muitas pessoas. Mas ele é conhecido como uma pessoa que lutou contra os EUA. Mas todos sabem que, nos anos 80, Saddam negociou com os Estados Unidos e comprou armas deles para usar contra o Irã. Mas depois tornou-se inimigo dos EUA e usou isto para atrair o apoio dos árabes. Hussein é muito popular entre os árabes e no mundo. Porque ele se manifestou por muitos anos contra os EUA.

Saddam pode se transformar em um herói?

Não. Mesmo os sunitas sofreram muito com seu governo. Acredito que esta onda de violência é de curto prazo, deve durar dois ou três meses, visto que ainda há os saddanistas que até agora tinham um ídolo, mas ele acabou. O governo está convidando o partido Baath para integrar o governo, sentar junto, mas mudar algumas coisas. São todos iraquianos, e a morte dele não vai trazer catástrofes para o país.

Saddam Hussein é corajoso. Por duas ou três vezes ele participou de atos corajosos. Uma vez, em 1959, participou da tentativa de assassinato do primeiro-ministro Abd-al-Karim Qasim, depois da revolução em 1958, que derrubou o rei. O então primeiro ministro e aproximou-se da União Soviética, mas antes, quem dissesse que era socialista morria. Aí vieram os baathistas, aliados ao Nasser (Egito), e derrubaram o governo. Qasim foi ferido, mas não morreu. Saddam foi para o Egito, estudou e depois voltou para o Iraque, já como vice presidente, onde freqüentou a escola de direito. Ele é corajoso, por isso ele tem saldo no mundo e muita gente lamenta sua morte e faz manifestações. Mas muita gente desconhece o que ele fez, porque Saddam foi inteligente e não deixou vazar informações sobre as crueldades que ele fazia em seu país. Cemitérios clandestinos e muitas outras coisas que estão sendo descobertos agora. Nem os árabes que o apóiam não sabem do sofrimento dos iraquianos. Todo mundo tem um história de sofrimento. Não sou a favor da morte de uma pessoa, mas o destino cada um é quem faz. Ele cometeu crimes e merece um julgamento e um final.

Pode haver uma união árabe maior para o desenvolvimento da região e contra os EUA?

Acho muito difícil a união dos países árabes, com ou sem Saddam Hussein. Estes países têm diversas políticas, a maioria das nações árabes são parceiras dos Estados Unidos; ou por medo deles, ou por medo de seu próprio povo, que não concorda com seus políticos. A parceria com os EUA dá segurança a esses dirigentes contra inimigos externos e internos, como é o caso do rei da Jordânia, da Arábia Saudita, e outros. Ultimamente os dirigentes sentem que os árabes estão contra os EUA, nenhum povo árabe gosta de seus dirigentes, porque sofreram bastante, estão muito pobres, mesmo morando em países ricos. Os líderes árabes têm medo dos EUA também porque, caso Washington acredite que o governo de alguma nação não está bom, pode fazer como no Iraque e remover os dirigentes de qualquer país. Por isso acho muito difícil a união dos países árabes, inclusive porque a maioria deles está contra o Iraque, sobretudo pelo caminho que tomou. Hoje, o Iraque é um país com dirigentes eleitos. Hoje vejo o Congresso e não acredito que aquilo seja o Iraque: que são contra o governo, falam mal do que acontece lá, e todos os segmentos participam, apesar de que eu não concordo com o modelo sectário adotado entre sunitas, xiitas e curdos, onde deveria fazer uma federalização geográfica, como ocorre no Brasil. Os países árabes têm inveja do Iraque.

Existe alguma parceria Irã e Iraque, mesmo depois da guerra entre os dois?

Desde que houve a invasão do Iraque, sempre houve cooperação entre os dois países. O Irã ajuda e apóia muito o Iraque. Mas percebo os interesses do Irã no meu país: são vizinhos e o Irã tem problemas com os árabes. Há ilhas no Golfo Pérsico da Arábia Saudita que foram ocupadas pelos iranianos, por isso que o Iraque foi empurrado para a guerra contra o Irã pelos países árabes. Agora os iranianos querem atrair o Iraque para firmar um parceiro e retirar os norte-americanos de lá, justamente pelo medo que têm de ser o próximo país a sofrer uma invasão pelas tropas dos Estados Unidos, que estão bem ao lado. Querem afastar os americanos da fronteira do Irã, é uma autodefesa deles. Mas o Iraque também tem interesses no Irã. Eles oferecem apoio financeiro e moral aos iraquianos, tratam da questão dos curdos (há muitos deles no Irã), etc.

Quem é pior: Saddam ou Bush?

Os dois são ruins. Saddam podia ficar lá, mas ele fez muito mal para o país. Mas eu, como iraquiano, ainda prefiro Saddam ao Bush. Se eu fosse norte-americano, talvez preferiria o Bush. Se o Iraque continuasse com Saddam, pouco mudaria. Se ele estivesse ficado junto com o povo, tivesse o apoio da população, ninguém deixaria que capturassem Saddam Hussein, todos iriam para a porta da casa dele para morrer por ele. Ele deveria ter governado de forma diferente. Mas a população deixou invadir o país porque não queriam mais o ditador. Não tinham boas lembranças dele e pensaram: “deixem os americanos entrar e depois lutamos para tirá-los. É mais fácil tirar os americanos do que Saddam Hussein”.

Saddam segurou o poder com mão de ferro. O povo não tinha escolha. Mas o Bush também não dá, ninguém gosta dele. Pergunte nas ruas e você vai ver. Esse negócio de terrorismo foram eles que criaram por motivo de política nacional. A pressão gera contra-pressão, e um povo oprimido vai reagir.

Como o Sr. Vê a atuação do primeiro ministro Nouri Maliki, que sinalizou sua saída antes do final de seu mandato?

Desde que Maliki entrou, os políticos são de diversas frentes. Eles assumiram uma direção junto com o primeiro ministro e assumiram a identidade iraquiana sobre o sectarismo. Todos sentiram isso e trabalham por isso. Acontece que outros dirigentes saíram do país e começaram a criticar o governo e pediram para a ONU entrar no Iraque e destituir o governo. Foi isso que fez Maliki declarar sua possível saída antecipada, pois vários dirigentes foram abandonando o governo. Aí entram as influências de outros países, como a Arábia Saudita, que diz que se houver uma guerra civil no Iraque, vão apoiar os sunitas, por que tem maioria sunita em seu país. Isso acaba com todo um trabalho de coalizão interna do governo. Tem dirigentes iraquianos que foram aos EUA pedir que Bush faça com que a Justiça iraquiana libertasse Saddam Hussein. Eles condenam a influência americana na Justiça do Iraque, mas vão pedir ao George Bush que se intrometa nos assuntos do país.

Como explica esta violência sectária, mesmo com este governo de coalizão, onde se esperava que houvesse uma resistência dos iraquianos contra os norte-americanos, mas vemos uma disputa sangrenta entre os próprios conterrâneos, que matou 12 mil civis somente em 2006?

A maioria de quem comete atentados não são iraquianos. Acredito que um iraquiano não mata seus conterrâneos. Nunca acreditei que um iraquiano fosse homem bomba, até hoje, nunca vi. Hoje, assistindo a Al-Jazeera, pegaram um grupo da Al-Qaeda que mandavam marroquinos para o Iraque. Acredito que mais de 90% dos atentados no Iraque sejam feitos por gente de fora.

A violência sectária é o maior problema do Iraque na atualidade?

Acredito que não. Não é o problema entre sunitas e xiitas. Na guerra do Líbano, entre cristãos e muçulmanos, viu-se que havia cristãos lutando com muçulmanos e vice-versa. Hoje, pela minha experiência e observação, o que vejo é um problema político. Há muita gente com interesses políticos. Há o grupo de Saddam Hussein, há outro grupo que quer chegar ao governo e não conseguiu, tem também muita gente que em de fora.

O Sr. concorda com a retirada imediata das forças estadunidenses?

Acho que hoje não devem sair. Sou contra a presença das tropas no Iraque, mas nesta situação, acho que devem ficar, uma vez que as instituições do país foram todas dissolvidas. Recomeçou-se do zero. Logo quando os americanos assumiram, não tinha nada no Iraque, como quando Cabral veio para o Brasil. Não havia governo, nem polícia, nem exército; nada. Imagina você chegar em uma cidade e não haver nem um cachorro para te ameaçar? Por isso acho que os americanos fizeram besteira. O dinheiro que Saddam tinha nos palácios, tudo foi roubado. Os museus do Iraque estão entre os maiores do mundo, visto que o Iraque é um país da Mesopotâmia, tempo de Assírios e Babilônios. Toda essa riqueza estava no museu do Iraque, onde eram necessários três dias para ver todas as obras. Tudo foi roubado. Os americanos foram defender o Ministério do Petróleo, e nem há petróleo lá (risos), só papéis. Eles não protegeram as riquezas do Iraque. As mesquitas, com muito ouro, foram todas saqueadas. Até hoje, estão voltando algumas coisas pequenas do museu do Iraque. Os soldados norte-americanos roubaram e espalharam pelo mundo.

Eles acabaram com o exército do país, porque pensam que o exército era de Saddam Hussein, mas é dos iraquianos. A maioria das pessoas é democrata, socialista e contra Saddam. Além disso, muitas pessoas do alto escalão do exército ficaram na rua. Eles foram acostumados com muita mordomia, o Saddam criou eles assim e, de repente, eles se viram sem nada. O que eles fazem? Usam violência. É como aqui, muitas vezes os criminosos são delegados ou policiais. Ali é a mesma coisa, eles pensam numa maneira de ganhar dinheiro.

George Bush sinalizou que vai enviar mais nove mil soldados ao Iraque, além de substituir o embaixador dos EUA na ONU, John Bolton, por Zalmay Khalilzad, nascido no Afeganistão, mas embaixador dos Estados-Unidos no Iraque. O que me diz sobre isso?

A política dos EUA não achou um caminho certo. Se eles entrassem no Iraque e colocassem ordem, o problema estava resolvido. Mas não tinham esse interesse, não há ordem lá. Hoje assisti que havia problemas com o povo, num setor da cidade onde o controle ainda está nas mãos dos americanos. Eles já formaram um novo exército iraquiano. É ridículo que as tropas de invasão ainda controlem cidades. Eles deveriam ir para o interior e buscar os grupos que cometem atentados contra os civis. Felizmente isso está diminuindo. Mas o Iraque ainda não está pronto para cuidar sozinho de seu território. Nas cidades, a polícia e o exército iraquianos podem tomar conta e deixar os exércitos de ocupação trabalhando fora. Mas ainda há saddanistas no exército. Eles chegam com carros e roupas do exército e assassinam, criam problemas. Isso tem que ser resolvido.

Na sua opinião, como estará o Iraque daqui a cinco anos?

É muito difícil de falar, mas espero que diminua esta violência e que, se depender dos iraquianos, vai melhorar. Se a política dos Estados Unidos em relação ao Iraque mudar, acredito que vai ajudar. Agora que temos um governo democrata, talvez a situação vai mudar um pouco. Porém, se continuarmos sofrendo interferência de fora e mantiver a atual política de ocupação, não creio que grandes melhoras. No lugar de mandar mais soldados, eles deveriam sair das cidades. É um problema muito grande para um iraquiano ver o exército de ocupação andando na rua. O povo tem uma sensibilidade muito grande contra esses exércitos. Nós fomos uma colônia inglesa e lutamos muito para a retirada dos ingleses. Muitos morreram para nos livrarmos da Inglaterra. Nenhum ser humano gosta de ver seu território ocupado. Imagine o Brasil com tanques americanos na rua, o que você sente? É isso que os iraquianos estão sentindo agora.

Esta invasão que vemos hoje é uma continuação da primeira Guerra do Golfo, deflagrada no início da década de noventa, quando o Iraque deixou de ser aliado e passou a ser inimigo dos EUA?

Pode ser uma continuidade, porque naquela época o Bush (pai), não retirou Saddam do governo, talvez para deixar o equilíbrio na região e conter a ascensão do Irã e de outros países do Golfo. Agora, o Bush (filho) decidiu retirar o presidente iraquiano. Não dá para explicar direito porque não dá para entender a cabeça de Bush. Entretanto, naquele tempo, a União Soviética estava acabando, mas ainda tinha muita força e não deixava os Estados Unidos fazer o que queriam, mas hoje não há força contra os EUA e eles fazem o que querem. Mas hoje eles estão pensando duas vezes antes de tomarem decisões. A política dos Estados Unidos perdeu muito apoio no mundo e os árabes estão gritando contra os norte-americanos. Mas praticamente nenhum líder árabe se manifesta contra os EUA. Até Kadafi (Muammar Kadafi, ditador da Líbia), que ficou muitos anos contra os Estados Unidos, entregou tudo.

A decadência do Iraque começou na guerra do Golfo, com a resolução 678 (1990) da ONU, que formou a coalizão para libertar o Kuwait, e o embargo econômico que durou até a queda do regime de Sadda. Isso criou um ambiente mais fácil para a invasão dos Estados Unidos em 2003?

O embargo acabou com o país. A ONU, sob influência dos EUA, cometeu um erro gravíssimo. Eu fui ao Iraque várias vezes durante o bloqueio. A situação era precária. Saddam fez mal, mas também fez bem ao país, na infra-estrutura, cultura, saúde, etc. Em 1990, eu li um relatório da Organização Mundial de Saúde, onde dizia que o Iraque, nesse quesito, entrava no patamar de países desenvolvidos. Mas veio a guerra do Kuwait, a invasão dos Estados Unidos, e acabou tudo. O Iraque andou cinqüenta anos para trás. Lá não havia mendigos, crianças e velhos nas ruas, nem analfabetos. Minha mulher foi ao Iraque depois do embargo e não acreditou: mulheres se prostituindo, crianças de rua e velhos jogados. A tradição iraquiana não permite fazer isso, deixar uma criança na rua e um velho no asilo. Agora está cheio de mendigos, tudo por causa do bloqueio, que não deu resultados, só gerou uma catástrofe.


Como está a sua família em Bagdá?

A família está bem, sempre nos comunicamos. No tempo do bloqueio não tinha nem telefone. Tinha que esperar até tarde da noite. Às vezes ficava três, quatro dias tentando falar com eles. Eles estão em Bagdá, mas somos do sul do Iraque, entre Bassra e Bagdá, onde a Petrobrás tem poços de petróleo.

A vida segue normal, estão se queixando dos problemas de segurança. Ninguém pode sair com certeza de que vai voltar. Saíram muitos parentes também. Tenho sobrinhos na França, Inglaterra, e Noruega, quem podia sair, saiu. Mas outros não querem sair e dizem que se tiver que morrer, vão morrer no Iraque.

O Sr. Tem algum caso de morte na família por causa da invasão?

Tenho um irmão que morreu por motivos indiretos. Meu irmão era general e piloto do exército e, na época da invasão, em 2003, ele estava com problemas de bronquite asmática crônica. A situação era grave. Eu ligava para ele de hora em hora. Ele morreu por falta de atendimento médico porque os norte-americanos esvaziaram todos os hospitais para colocar os feridos deles, mas não havia nenhum ferido. Não houve resistência. Os iraquianos não ofereceram resistência ao exército de ocupação. Isso foi um recado a Saddam, os iraquianos foram passivos porque estavam cansados do ditador.

Pensa em viver lá novamente?

Tenho muita vontade. Minha esposa sempre me apóia. Já fomos da Europa para lá de carro, ela gosta muito do país e diz que, quando eu quiser, vamos para lá. Mas agora os meninos cresceram e não dá para interferir na vida deles. Quando melhorar talvez eu volte. Eu gostaria de voltar, mas não nesta situação.

Como é o povo iraquiano?

É um país muito bonito, muito bom. O povo é muito parecido com o brasileiro, é gente muito boa. Não é porque sou iraquiano, mas um dos melhores povos árabes é o iraquiano. Eles são muito pacíficos, alegres e hospedeiros. Há uma tradição árabe de usar um pilão para moer café, onde bate-se duas vezes no pilão e duas na lateral, o que ecoa um barulho. Quando o estrangeiro ou viajante chega a uma cidade, sem onde ficar, ele ouve o barulho do pilão, e lá fica, sem pagar nada. Esta é uma tradição árabe que mostra muito do povo iraquiano.

O Sr. vê uma saída para esta crise no Oriente Médio?

Infelizmente muito difícil, porque esta política dos EUA não é de curto prazo, os planos são de longo prazo, mesmo que mudem os presidentes e o Congresso. Eles dão apoio a Israel que têm que mudar. Hoje eles já percebem isso, mas o apoio ainda é incondicional. Isso gera uma situação muito difícil no Oriente. A sensibilidade árabe contra Israel aumenta cada vez mais, pelas agressões israelenses nos países da região e o apoio dos EUA. Quantas resoluções da ONU foram feitas contra Israel e os Estados Unidos vetaram? Israel foi um país criado contra a vontade dos árabes, e se os EUA não mudarem sua política sobre os judeus de lá e eles próprios não mudarem sua política no Oriente Médio, nunca chegaremos à paz. Eu, pessoalmente, penso que devemos deixar os judeus onde eles estão, não tem jeito, não dá pra fazer nada. Se eles vivessem quietos, eu garanto que eles ficariam em paz. Mas veja o que eles fazem: ocupam territórios na Síria, no Líbano, constroem o muro na Palestina, fazem as colônias e chamam para lá os judeus de todo o mundo sem se preocupar onde irão colocar essas pessoas. Depois que eles chegam, muitas vezes não têm onde morar, onde comer, como voltar. A Alemanha mandou quatro submarinos para Israel, um foi comprado, os outros foram de graça. Eles ainda têm a imagem do povo massacrado pelo holocausto, mas Hitler matou 60 milhões de pessoas e ninguém fala dos 20 milhões de russos que morreram na guerra. Os judeus são privilegiados, a Alemanha paga indenização até hoje. Israel é testa de ferro dos Estados Unidos porque, sempre que invadem algum território, os árabes vão a Washington pedir ajuda do governo para que os judeus saiam de lá, e os americanos ajudam, em troca de concessões.

Crítica à imprensa
Subhi Ali Al Rubaie afirma que a cobertura da mídia ocidental sobre os problemas do Oriente Médio leva à ignorância e ao aumento do preconceito contra o mundo muçulmano. “A imprensa deveria publicar o que realmente acontece. Atualmente o que é mostrado parece que todos os iraquianos são a favor de Hussein. A imprensa tem sempre que seguir uma posição neutra, mostrar os dois lados”.