segunda-feira, agosto 07, 2006

De onde vem a decadência do Iraque?


Por Brenno Sarques

Há três anos, o noticiário nos reporta diariamente notícias de uma guerra armada sobre falsas denúncias e muitos interesses geo-estratégicos. Hoje, os jornais se restringem a noticiar quantos mortos foram vítimas de mais um ataque suicida em Bagdá, ou em qualquer outra região do território iraquiano. Ao ver as imagens de praças destruídas, carros incendiados e verdadeiras crateras nas ruas, muita gente se pergunta: o que aconteceu para que o Iraque chegasse a esse ponto?

Muitos de nós, humanos, temos uma vaga lembrança da chamada Guerra do Golfo, logo no início da década de noventa. Eu, particularmente, me lembro da vinheta da Globo, que mostrava um fuzil com um barril de petróleo ao fundo. Lembro-me da novidade que era ver uma bomba teleguiada cair no local exato. Fora isso, pouca coisa me vem à memória daquela guerra. Mas como diz o Paulinho da Viola: “quando eu penso no futuro, não esqueço o meu passado”. Sendo assim, tive que revirar alguns documentos para tentar saber qual o porvir dos iraquianos; o resultado me desanimou.

Mesmo sofrendo com a ditadura imposta por Saddam Husseim, que fez uso de armas químicas contra seu próprio povo, o antigo regime iraquiano tinha seus méritos. A taxa de analfabetismo era praticamente nula no final da década de oitenta. Mesmo com escassez de água, não faltava comida para os iraquianos. Bagdá era uma das mais imponentes capitais do Oriente Médio, com universidade, museus, pólos científicos e tudo mais que uma grande metrópole merece. A produção de petróleo rendia uma certa qualidade de vida aos iraquianos, até que Saddam teve a idéia de invadir o Kuwait.

O começo da queda
O início da década de noventa foi marcado pela derrocada da União Soviética. A Rússia estava enfraquecida, assim como todos seus aliados. Saddam tinha certeza que, por ser apoiado pelos Estados Unidos durante a guerra contra o Irã – este que era parceiro da URSS – poderia invadir o Kuwait sem que ninguém tomasse medidas para impedi-lo. Puro engano. A invasão do pequeno país vizinho fez surgir a maior coalizão jamais formada pela ONU. Foi a primeira vez que a Rússia esteve do mesmo lado que os Estados Unidos desde a segunda Guerra Mundial. Os russos tiveram que aderir à coalizão porque tinham que ingressar no mundo capitalista e, para tal, deveriam dar sinais de que cooperariam com a comunidade internacional.

Não durou muito tempo para que o Iraque se retirasse do Kuwait. Aí foi a vez da ONU traçar o que seria a decadência da qualidade de vida dos iraquianos: a Resolução 687 (1991).

O pós-guerra
Creio que, para que não se repetisse o caso dos alemães, que perderam a primeira Grande Guerra, mas depois ressurgiram e por pouco não venceram a segunda Guerra Mundial, as Nações Unidas quiseram se prevenir definitivamente das ameaças de Saddam. O Iraque havia assinado diversos tratados de não proliferação de armas nucleares, químicas e biológicas. O mesmo havia aceitado a independência do Kuwait em 1932 e reconhecia sua soberania. Este fato fez com que a ONU aplicasse sanções mais severas do que de costume.

Os objetivos da Resolução 687 (1991) eram o de punir o Iraque pela agressão protagonizada, impedir que isso se repetisse, retirar grande parte da potencialidade de ameaça iraquiana – reduzindo seu exército e destruindo seu estoque de mísseis de longo alcance, além de pôr fim às armas químicas e biológicas e, sem explicar, levar à mudança de regime em Bagdá.

Além da entrada de uma comissão especial de verificação de armas de destruição em massa, que teve livre acesso a qualquer arquivo ou estoque, e da exigência da aceitação incondicional do Iraque de se desramar quase que em sua plenitude, o regime de Saddam foi obrigado a reparar todos os danos físicos e ambientais causados ao país vitimizado pela invasão, sem deixar de lado o pagamento de suas antigas dívidas. Para tal, foi criado um Fundo de Indenização, no qual o Iraque era obrigado a pagar um valor estipulado pelo Conselho de Segurança da ONU.

A Resolução 687 (1991) aplicou um forte embargo econômico no país, onde os membros das Nações Unidas tinham sérias limitações de comércio com o Iraque. A importação de produtos e serviços era praticamente impossível ao Iraque, restringindo-se basicamente ao programa Oil for Food, que garantia alimentos e remédios à sua população em troca de petróleo.

A representação iraquiana na ONU acusou a Resolução de ser meramente um instrumento dos Estados Unidos, que utiliza as Nações Unidas como seu Ministério das Relações Exteriores. A ONU também foi acusada de criar seu próprio código de leis, desrespeitando o Direito Internacional, uma vez que o Iraque foi condenado por descumprir acordos que ele não havia assinado.

Resultado
A aplicação da Resolução 687 (1991) rendeu a estagnação do desenvolvimento iraquiano. Uma vez economicamente afetados, disputas étnicas, religiosas e políticas ganham espaço e servem de argumento para explicar a situação de retrocesso.

Mesmo com todas as sanções e fiscalização que perduraram por muito tempo, houve quem duvidasse que Bagdá cumpria suas obrigações internacionais. Foi quando Bush, o filho, inventou que Saddam Husseim possuía as tais armas de destruição em massa. De lá pra cá, todos nós conhecemos a história.
Fontes: Nações Unidas; LAMAZIÈRE, Georges - Ordem, Hegemonia e Transgressão