sexta-feira, junho 09, 2006

China: Novo mundo, regime antigo

O crescimento da China tem trazido muita preocupação não apenas para os chineses, mas para grande parte do mundo. Muitos se perguntam se a República Popular da China poderá sustentar tamanha mudança, se seu crescimento se sustentará em longo prazo e quais serão os próximos passos deste gigante.

Para o pesquisador de política chinesa, doutor em ciência política pela Universidade de Havard e ex-membro do departamento da política na Universidade de Princeton, Minxin Pei, a situação atual apresenta poucos motivos para um futuro caótico. Seu projeto de pesquisa atual é a política da reforma legal em China.

Pei argumenta que o crescimento da China tem ultrapassado as taxas de crescimento de outros países asiáticos, que também têm apresentado ótimos níveis de desenvolvimento. O censo econômico de 2005, realizado depois de décadas de aperfeiçoamento do sistema estatístico chinês, apresenta sua performance econômica de forma muito mais clara que há dez anos atrás, quando pesquisadores ocidentais desenvolviam estatísticas oficiais com apenas algumas mudanças nas formas de estudo anteriores. Durante os últimos 15 anos, a China cresceu, em média, 10% ao ano. O Banco Mundial e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico mostram que o crescimento dos Tigres Asiáticos (Coréia do Sul, Singapura e Taiwan) nunca avançou tanto quanto a China. Além disso, a China ainda possui um grande potencial. Seu PIB per capta representa apenas 5% do nível norte-americano.

Cinco fatores mostram que a China pode continuar seu ritmo de crescimento por um longo tempo. Primeiramente, a China é uma expert em investir naquilo que vai alimentar seu crescimento. Ela teve seu ‘boom’ econômico tão intenso quanto a Índia, mas o sistema financeiro da China movimenta mais dinheiro do que o indiano, além de realizar mais parcerias em infra-estrutura com o capital privado (estradas, portos, etc).

Em segundo lugar, a China criou incentivos que recompensam trabalhos pesados, de risco e de conhecimento avançado. Cinqüenta milhões de dispensas facilitaram trabalhadores urbanos em seus trabalhos ‘vitalícios’. Trabalhadores Rurais podem agora ir para as cidades e disputar vagas de trabalho urbano. A educação obrigatória aumentou para nove anos e a alta taxa de alfabetização é responsável, em parte, pelo aumento da produtividade do trabalhador.

Terceiro, a abertura econômica chinesa aumentou a sua flexibilidade econômica e financiou novas tecnologias, enquanto gerenciava judicialmente áreas estratégicas como investimento externo. A Coréia do Sul e o Japão nunca se abriram tão rápida e ofensivamente ao mundo. Em quarto lugar, a reforma agrária, investimentos em educação e novas redes de seguro social fizeram emergir uma estável classe média. Por último, a sociedade chinesa é historicamente pouco violenta, onde a segurança física do cidadão aumenta as oportunidades econômicas. A corrupção está sempre presente, mas em níveis inferiores aos da Índia, Indonésia e Filipinas, o que dá muito crédito ao país.

Tais motivos mostram que a China está comandando um governo enérgico e dinâmico. A implementação de uma larga reforma é um exemplo disso. O receio popular e o desgosto social existem em todos os países, assim como na China. O segredo é saber como lidar com este descontentamento. Para tal, a China compensa pessoas deslogradas, disciplina causadores de problemas e pune governos locais mal administrados. Tal processo dificilmente chega à perfeição, mas o discurso e o conjunto críticos do governo são difundidos e largamente pacíficos.

O regime não dá trégua e ataca duramente os movimentos políticos que ameaçam a autoridade do governo, a estabilidade social, ou a reforma continuada. Estas são políticas de uma liderança confiável que executa uma política sofisticada e equilibrada. Astuciosamente, o governo de China aumentou pacificamente seu diálogo com os líderes jovens e com boa formação educacional, que cada vez mais tomam as decisões conforme acordos práticos.

Abalos

Poderia uma crise tirar a China de seu rumo? Isso pode não demorar. A crise financeira asiática e a epidemia da gripe aviária tiveram potencial desestabilizar o país. Em ambos os casos, o governo aprendeu com seus próprios erros e se recuperou rapidamente. Sim, a China deve continuar expandindo as escolhas disponíveis aos cidadãos, próximo de onde trabalham e vivem, e deve aumentar o número de formas em que os povos podem procurar o atendimento e retorno para suas queixas. Mas a China é um baú de propostas de reforma e de projetos de âmbito nacional. A expansão de organizações não-governamentais locais, por exemplo, tem sido incentivada a ajudar nos trabalhos assistenciais.

O governo tem perseguido também certos padrões educacionais mais elevados, novas formas de aproximação com a pobreza rural, e a modernização de seu sistema tributário. O crédito ao consumidor para casas e carros é apenas um exemplo das novas oportunidades disponíveis a seus cidadãos. Minxin Pei diz que China pode se considerar "um estado neo-Leninista" e condena isto à sua fragilidade. Os fatos, entretanto, sugerem um sistema político que seja bem mais robusto e ágil. Todos esses motivos mostram por que a China não deverá afundar em uma crise em curto prazo.

Mas a China possui um lado menos esplêndido de sua atualidade. Se nos embasarmos apenas nestas afirmações de Minxin Pei, pensaremos que a China é o novo Eldorado do planeta. Não nos esqueçamos do custo ambiental que está sendo pago pelo desenvolvimento desenfreado deste gigante mundial, da carência de uma legislação trabalhista digna e do grande número de execuções de prisioneiros, muitos deles, políticos. O lado obscuro da China é o tema da próxima reportagem.
Fonte: Foreign Policy