sexta-feira, junho 16, 2006

Ainda longe da liberdade de imprensa

Brenno Sarques
O mundo da internet estremeceu quando foi divulgada a notícia de que gigantes do ramo, como Google e Yahoo!, estavam sendo forçadas a cooperar com as medidas restritivas do Governo chinês relativas à restrição do livre fluxo de informações dentro do território comunista. A tentativa de instalar filtros que bloqueiem o acesso a sites de dissidentes chineses, grupos de direitos humanos e organizações midiáticas parece não funcionar apropriadamente. O espantoso crescimento do número de internautas na China torna o velho controle da informação quase inútil frente às novas tecnologias de transmissão de dados.

Cerca de 72% dos usuários da internet na China alegam que a nova ferramenta facilita a livre expressão de suas visões políticas. O contra-ataque do governo, foi o fechamento de mais de 3.300 Lan-houses, com o argumento de ‘prevenção contra acidentes’, depois que um incêndio em um destes estabelecimentos causou a morte de 25 pessoas em Pequim. Outros 12 mil estabelecimentos estão fechados para se adequarem às normas de segurança. Mas este foi apenas mais um capítulo da longa batalha pelo controle da informação.

Freezing Point

Entre os chineses, alguns liberais do jornal China Youth Daily desafiaram o Partido Comunista em uma publicação do caderno semanal Freezing Point, onde constam pontos de vista não oficiais da História da China, de Taiwan e de outros temas conflitantes. Resultado: Freezing Point fechado. O Governo argumentou que o caderno publicado "atacava viciosamente o sistema socialista", quando da publicação de críticas sobre os livros de história do Ensino Médio Chinês, escrito pelo jornalista Yuan Weishi,. As críticas eram sobre textos que contavam a história da Dinastia Qing, ao esconder o nacionalismo cego e a aversão aos estrangeiros. O fato causou rebuliço, no final de janeiro, menos de um mês depois do Governo chinês ter mandado trocar todos os editores de outro jornal diário, o Beijing News.

Vale lembrar que o China Youth Daily é o jornal oficial da Liga da Juventude Socialista, base do presidente Hu Jintao. Não satisfeitos, as autoridades publicaram uma cláusula de barreira que impediu todos os jornalistas e veículos de comunicação de divulgarem qualquer informação sobre o caso Freezing Point. O editor-chefe do caderno, Li Datong, confirmou em seu blog a suspensão dos trabalhos. O caderno viveu por onze anos antes de ser fechado, e o blog de Datong pouco durou depois de comentar sua demissão.

Li, ao receber uma ligação do jornalista Philip Pan, do Washington Post, não quis entrar em detalhes sobre o caso, mas disse que os oficiais de propaganda divulgaram uma nota criticando o caderno e seus editores. A nota exigiu também o fechamento do semanário até que seus membros se retificassem, reconhecessem e corrigissem seus erros.

Datong criou polêmica quando, há cerca de um ano, publicou uma carta atacando o plano de premiar financeiramente jornalistas que ‘cooperassem’ com o regime, enquanto que reduziam os salários daqueles que criticassem o governo. Depois de publicada a carta, o plano de bonificação do Governo foi para o lixo.

Reação

Após o fechamento do Freezing Point, dezenas de escritores, membros do Partido Liberal e professores universitários escreveram duas cartas ao Governo chinês para denunciar o grave crime contra o direito de livre expressão, garantido pela Constituição da China. O incidente marca um importante passo para mudanças na visão do Partido Comunista Chinês sobre a mídia e seu controle, uma vez que agora o Governo se defronta com uma sociedade cada vez mais complexa, diversificada e autônoma. Entretanto, ainda não se pode esperar mudanças drásticas, nem a curto prazo.

Esta não foi a primeira vez que o Freezing Point testou a paciência das autoridades de Pequim. O China Youth Daily construiu sua reputação junto aos chineses, principalmente os liberais, quando começou a cobrir fatos que os outros jornais se censuravam por medo da repressão governamental. Foi assim, por exemplo, na cobertura do massacre na praça Tiananmen, em 1989. Enquanto o mundo assistia pasmo com a truculência da repressão do exército chinês, os jornais de lá fecharam os olhos para a tragédia. Agora, ao contestar a versão da História da China ensinada nos livros escolares, o governo apelou e, bye bye suplemento.

Mas o tiro saiu pela culatra. A arbitrariedade do Departamento de Propaganda do Governo criou mais controvérsia do que resultado. As autoridades agora se defrontam com críticas internas e internacionais, o que poderia ter sido, senão evitadas, ao menos diminuídas.

Antes das reformas e do ‘boom’ econômico dos últimos quinze anos, o Departamento de Propaganda do Governo comunista conseguia controlar e censurar a imprensa com muito mais facilidade, principalmente nas décadas de 60 e 70. Hoje é diferente. Com mais de 120 milhões de chineses conectados à internet, a missão de impedir que idéias ocidentais atinjam o público é , além de infinitamente mais difícil, não há certeza de que funciona.

Muitos dos intelectuais chineses entraram na batalha pela abertura política do novo presidente. Os novos oficiais de propaganda fecharam várias publicações que atendiam à um pouco dos anseios de liberdade intelectual na China, como é o caso do Strategy and Management (zhanlue yu guanli), que publicavam importantes artigos sobre as políticas domésticas e externas do Governo chinês na década de 90. Os jornais Southern Weekend (nanfang zhoumo) e Southern Metropolitan Daily (nanfang dushibao), altamente respeitados por suas matérias investigativas, também sentiram quando seus editores foram substituídos por oficiais do governo.

A arma usada pelos defensores do Freezing Point é de sempre usar o argumento da liberdade de imprensa garantida pela Constituição, o que ganha mais força uma vez que o presidente Hu Jintao, no poder há pouco mais de três anos, declarou seguir e defender a Constituição da China. Os liberais estão, portanto, testando o comprometimento do Governo Jintao às leis de seu país. Se os liberais forem punidos, o Governo perde toda a credibilidade de suas promessas junto ao povo.

Porém, deveriam as autoridades se retratarem a respeito de suas atitudes relativas à truculência contra repórteres e editores? O medo dos oficiais de propaganda é o surgimento de mais publicações que afrontem o sistema e satisfaçam a crescente demanda por informações e análises mais aprofundadas a respeito da nova realidade deste país com mais de um bilhão de habitantes e que assusta o mundo com seu crescimento desenfreado. A saída para o Governo foi abafar o conflito. Pequim manteve a demissão dos editores ‘rebeldes’, mas decidiu por reabrir o Freezing Point. Da parte dos liberais, a decepção se mantém, apesar de nenhum deles ter sido punido.

O Partido Comunista Chinês não sente que a fanfarra da propaganda pode acabar, assim como ocorreu com a máquina de propaganda soviética, com o advento da Glasnost. Por enquanto, o caso Freezing Point parece ter abaixado a poeira, mas a luta pelos direitos constitucionais na China parece ter apenas começado.


Fontes: foreign Policy, Straits Times, USA today e Washington Post